terça-feira, 27 de março de 2018

SOS Malaca



Já aqui temos, em diversas ocasiões, chamado a atenção para a urgência de se estabelecer sob a égide do Ministério dos Negócios Estrangeiros um grupo de trabalho permanente que garanta assistência às comunidades de portugueses da Malásia, da Indonésia, da Birmânia e da Tailândia. Essas comunidades, mais que testemunhais, constituem um poderoso agente local de afirmação de Portugal.

Em Janeiro de 1641, quando a cidade de Malaca caiu nas mãos dos holandeses, os novos governantes só autorizaram a partida de um navio levando a bordo 250 dos mais eminentes moradores da cidade: reinóis, ricos mercadores, padres e monges, bem como alguns jovens locais. Para trás ficaram os pobres, os muito idosos, os mutilados, os doentes e as viúvas. Sede de bispado católico, conheceu a recém-ocupada Malaca dura repressão religiosa: duas igrejas e a catedral foram destruídas, assim como o colégio jesuíta e o mosteiro franciscano. As alfaias religiosas, as imagens sagradas e mobiliário que faziam o esplendor desses locais de culto, foram enviados para a Europa como parte do saque e foi anunciado aos sobreviventes que o culto católico não mais seria autorizado. Até 1710, ano em que Goa foi de novo autorizada enviar padres para assistir a comunidade católica da cidade, os portugueses malaqueses ofereceram sólida resistência cultural aos novos senhores. Reuniam-se fora de muros para aí realizarem as missas dominicais a céu aberto, organizaram irmandades secretas – a mais famosa das quais era a dos Irmãos de Igreja - e realizavam, por altura das mais importantes festividades do calendário católico, grandes procissões demonstrativas de força e unidade. Desde então, conhecendo holandeses, depois britânicos e até os brutais japoneses (1942-45) que ali cometeram massacres inenarráveis, os portugueses de Malaca têm sobrevivido.

Sem o mais leve apoio de Lisboa, a sua luta parece condenada ao fracasso. Não há nas Necessidades alguém que possa avaliar a importância destes luso-descendentes? Não seria possível, com o apoio da Fundação Gulbenkian e outras instituições (a Igreja Católica) começar hoje o que amanhã já poderá ser tarde?

E não nos venham falar de falta de verbas, pois bastaria que dois ou três funcionários públicos por lá estivessem em permanência - um professor de português, um animador cultural, um arquitecto - para parar o processo de erosão. Ainda há anos por Malaca esteve uma jovem professora de português. Os resultados excederam todas as expectativas.

MCB

segunda-feira, 26 de março de 2018

Os católicos líricos

A boa nova de Jesus é a caridade, um amor que não é lírico, mas tão exigente que requer uma abnegação total, até à entrega da própria vida.

Há por aí muito boa gente que gosta muito de Jesus e ainda bem. Não do Jesus histórico, nem do Cristo da fé, que na realidade são a mesma e única pessoa divina e humana, mas de alguém que só existe na sua mente, e que foi inventado à medida dos seus sonhos e caprichos e, às vezes também, das suas fraquezas. Alguns dos fãs desse tal messias que não existe senão na sua imaginação, até se consideram católicos, como se alguém o pudesse ser à margem da Igreja, da sua doutrina e comunhão.
Estes católicos líricos não gostam de obrigações, nem de normas, nem de proibições. Muito menos de cânones, anátemas ou condenações. Abominam dogmas, leis penais e excomunhões. Para eles, líricos, a fé cristã é um vago sentimento amoroso, que tanto dá para justificar o seu egoísmo – o amor-próprio não é também, amor?! – como todos os pecados cometidos por amor. Porque, afinal, Deus é amor…
Os líricos muito gostam de ouvir Jesus a falar das florzinhas do campo, dos passarinhos do céu e da simplicidade das pombinhas. Entendem que o grande pecado da Igreja foi a sua institucionalização: quando se organizou como sociedade, regulamentou a sua acção missionária, estabeleceu a hierarquia, produziu códigos, criou tribunais e impôs condenações, a Igreja católica desfigurou-se. Perdeu então a beleza simples e tão romântica daquele rabi, algo heterodoxo, que percorria a Galileia libertando, em nome do amor, todos os que gemiam sob o pesado jugo da lei farisaica.
Este Jesus mutilado, pura e simplesmente não existe, nem nunca existiu, excepto nas melodias sentimentais de algumas seitas, nos posters de mau-gosto em que o Nazareno, sorrindo, pisca os olhos aos devotos, e nas prosas poéticas daqueles cristãos piegas que, ao mesmo tempo que pregam, com grandes suspiros, o amor universal, odeiam com quantas forças têm a Igreja e quantos não partilham a sua fé cor-de-rosa.
É verdade que a boa nova de Jesus é a caridade. O seu amor não é lírico, sendo de uma exigência que requer uma abnegação total, até à morte se necessário for (Mt 16, 24-26). Cristo disse que não tinha vindo abolir a lei, mas cumpri-la integralmente, porque “aquele que violar um destes mandamentos, mesmo dos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será considerado o mais pequeno no reino dos Céus” (Mt 5, 17.19). Não só não revogou nenhum preceito da lei, como acrescentou mais um, talvez até o mais difícil: o mandamento novo. Excluiu a possibilidade do divórcio, que Moisés tolerara, e endureceu extraordinariamente a lei penal a que estão obrigados os seus fiéis: “se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar” (Mt 18, 6).
Há quem pense que as regras, dogmas, leis e excomunhões católicas não têm fundamento no Novo Testamento. Mas enganam-se, porque não só Jesus deu esse poder ao primeiro Papa e aos seus sucessores (Mt 16, 19), como ele próprio sentenciou, de certo modo, a primeira excomunhão. De facto, quando Pedro o quis impedir de morrer na cruz, Cristo disse-lhe: “Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens” (Mt 16, 23). A excomunhão, que naquele caso não foi efectiva porque Pedro de imediato se arrependeu, é isto: afastar, ou seja excluir, um fiel da comunhão eclesial.
Também na Igreja primitiva se recorreu a essa prática, embora sempre como último recurso e só depois de esgotados todos os outros meios pastorais. Foi o que São Paulo fez a um cristão de Corinto, que escandalosamente vivia “com a mulher do seu próprio pai” (1Cor 5, 4-5).
Também Santo Ambrósio de Milão, no ano 390, excomungou Teodósio, um dos primeiros imperadores romanos cristãos, por este ter ordenado o massacre de Salónica, como represália pelo assassinato do governador militar dessa cidade. Só depois de Teodósio ter humildemente manifestado o seu arrependimento e feito penitência pública, lhe foi levantada a excomunhão e o imperador, que os ortodoxos veneram como santo, foi readmitido na Igreja. A este propósito, Teodósio diria mais tarde: “Ambrósio fez-me compreender o que deve ser um bispo”.
Será que, quando Jesus anatemizou Pedro, Paulo expulsou da Igreja o fiel incestuoso e Ambrósio excomungou Teodósio, contradisseram o mandamento novo?! De modo nenhum, porque a caridade por vezes exige, mais por via de excepção do que por regra, uma tal determinação: “Deus trata-vos como filhos; e qual é o filho a quem o pai não corrige? Mas, se estais isentos de correcção, da qual todos participam, então sois bastardos e não filhos. (…) Deus corrige-nos para nosso bem, para nos fazer participantes da sua santidade” (Heb 12, 7.10).
O ministério episcopal, do Papa e dos bispos diocesanos, é uma imensa honra mas, sobretudo, um serviço à verdade revelada e à comunhão eclesial. São João Paulo II teve a coragem de condenar as falsas teologias da libertação, de inspiração marxista. Também denunciou os pseudo-teólogos que expunham teorias contrárias à fé da Igreja. Estas suas atitudes provocaram muitos protestos, mas ao santo pontífice interessava-lhe mais defender o seu rebanho, do que o aplauso da opinião pública mundial. Na inauguração do seu pontificado, Bento XVI pediu: “rezai por mim, para que aprenda a amar cada vez mais o Senhor. Rezai por mim, para que aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho (…). Rezai por mim, para que não fuja, por medo, diante dos lobos”. E, como disse o Papa Francisco, no passado dia 19, na ordenação episcopal de três novos núncios apostólicos, os bispos foram instituídos para as coisas de Deus e “não para os negócios, não para a mundanidade, não para a política”. Ou seja, um pastor que queira agradar a todos e ser politicamente correcto, não cumpre a sua missão.
A Igreja católica do século XXI não precisa de anacrónicos clericalismos, nem de novas inquisições, mas também não pode enveredar por um Cristianismo lírico, mais mundano do que católico. Nestes tempos de contradição, são precisos pastores corajosos que preguem a infinita misericórdia de Deus e defendam a verdade da fé com o apaixonado zelo de São João Paulo II, de Santo Ambrósio, de São Paulo e do próprio Jesus Cristo.
Fonte: Observador

domingo, 25 de março de 2018

22º Aniversário de SAR, O Senhor D. Afonso de Bragança, Príncipe da Beira



SUA ALTEZA REAL O AUGUSTO E SERENÍSSIMO PRÍNCIPE Dom Afonso de Santa Maria Miguel Gabriel Rafael, 9º príncipe da Beira e por mercê d'El Rei D. Sebastião I, 20º duque de Barcelos, nasceu a 25 de Março de 1996.


S.A.R., Dom Afonso de Bragança, ao celebrar neste o seu aniversário, enche o coração de Portugal de esperança, de alegria e de confiança num futuro promissor pela qual todos nós Portugueses sonhamos.


Desejamos ao nosso Príncipe Real  as maiores felicidades, muita saúde, alegria e paz na companhia da nossa Bem-Amada Família Real, no mais belo exemplo de União e Tradição. Que Deus o guie e ilumine.


VIVA SUA ALTEZA REAL DOM AFONSO, PRÍNCIPE REAL!

Domingo de Ramos

Imagem relacionada

sábado, 24 de março de 2018

O kilt "escocês" é português

Foto de Nova Portugalidade.



Se há trajo masculino europeu que qualquer um reconhece sem dificuldade como peça de vestuário inseparável de um povo, esse é o saio escocês. Porém, abundantes testemunhos iconográficos insertos nas iluminuras medievais produzidas pelo fino engenho artístico de gerações de ilustradores do século XI ao século XIV descartam a possibilidade desse trajo ser de origem escocesa. Durante a chamada Idade Média Clássica - ou seja, entre o ano 1000 e 1200 - e durante a Idade Média Final (séculos XIII e XIV), os escoceses vestiam-se como quaisquer outros europeus dos climas frios do norte: ou uma túnica comprida em lã, no inverno, e no verão umas calças (hosen) que davam pelo joelho e se cingiam à cintura. Não há, pois, qualquer vestígio de saios e dos tartans coloridos e axadrezados que só no século XVIII passaram a identificar o "trajo escocês". O trajo popular português então predominante era o saio, peça única que se enfiava pela cabeça e cobria o tronco e os braços, descendo até meio da perna, ajustando na cintura com um cordão.

Se bem que Portugal nunca igualasse a produção lanígera da Flandres, de Castela e da Inglaterra, os panos de burel e outros tecidos de lã portugueses conheceram importante surto desde o século XIV, com pisões de norte a sul do país, indústria que envolvia muitos tecelões e tecedeiras. Havendo referências ao comércio de panos de lã portugueses destinados à Escócia desde o século XIV, a introdução do saio português naquela região setentrional poderia ter ocorrido por essa época, sendo então usado como peça de vestuário popular nessas terras altas e pobres. A subsequente construção de uma identidade escocesa, acirrada pela lenta subordinação à coroa inglesa, levou a que os escoceses optassem por um trajo absolutamente diferente do inglês. A opção pelo saio, e depois pelo kilt com decoração geométrica, foi um acrescento certamente destinado a enobrecer tal peça e permitir que povo e nobreza o pudessem usar indistintamente como símbolo de orgulho nacional e organização social de tipo clãnico que a todo o custo queriam preservar. Por essa altura, já o saio português caíra em desuso no trajar quotidiano, preservado apenas como peça de roupa usado por militares, sobretudo cavaleiros, como no-lo demonstra o retrato de corpo inteiro de D. Afonso VI de Portugal.

MCB

quinta-feira, 22 de março de 2018

O Rei dos frutos

Foto de Nova Portugalidade.


Um dos mais curiosos aspectos relacionados com a expansão portuguesa prende-se com a viagem das plantas, dos frutos e dos sabores, fenómeno a que temos dado a devida atenção, posto que teve assinaláveis repercussões na dieta de europeus, americanos e asiáticos, assim como na alteração profunda dos ecossistemas e práticas agrícolas das regiões tocadas por essa globalização dos hábitos alimentares operada a partir do século XVI.

Se nessa viagem dos sabores aqui já aludimos ao chá, ao açúcar de cana e ao café, falemos hoje do ananás, esse fruto trazido pelos portugueses do Brasil e que grande impacto teve na gastronomia europeia. Conta-se que Luís XIV, muito curioso de todas as novidades exóticas, quis degustar esse estranho fruto de aparência bizarra e quase ante-diluviana. O Rei Sol mandou que se cortasse uma fatia e depois de muito a mastigar afirmou: “tem um sabor agradável, é doce e sumarento, mas a parte de fora [a casca] oferece grande resistência”. Ou seja, Luís, o Grande, comeu a casca do ananás.

O ananás era então há muito conhecido dos portugueses que o haviam nomeado em finais do século XVI a partir da palavra guarani naná e, logo, transplantado para a Índia, onde recebeu acolhimento favorável, passando doravante a ser consumido em pratos doces, agridoces e até picantes. Ainda hoje a cozinha goesa indo-portuguesa reserva-lhe lugar de destaque. Depois, o ananás foi aclimatado aos Açores, onde passou a ser uma das fontes de riqueza da Ilha de São Miguel. Verdadeiro trabalho de cuidados, no século XIX o ananás era criado em estufas de madeira, alvenaria e vidro e plantado em terra enriquecida com fetos, urzes, silvas e ervas a que se chamava leiva. Com duas culturas anuais, o ananás era colhido, acondicionado em caixas e embarcado com destino aos mercados inglês, russo e francês. Pago regiamente pelos importadores, fez a riqueza das empresas e desse ciclo de grande prosperidade ficou saudosa memória.

MCB

terça-feira, 20 de março de 2018

18 de Março, "aniversário" da Torre do Tombo, um dos maiores arquivos nacionais do mundo

Foto de Nova Portugalidade.


A 18 de Março de 1911, foi constituído o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a partir do Arquivo Real, com origem em 1378.

O Arquivo Nacional, antes Arquivo Geral do Reino, remonta às origens do Estado português. Nos finais do século XIII, Lisboa passou a ser a principal cidade do Reino e nela se começou a preparar um depósito para documentos, situado numa das torres do Castelo de S. Jorge. Esta torre conservaria os documentos régios até ao terramoto de 1755. Os arquivos nacionais ocuparam posteriormente vários espaços, como o Mosteiro de São Bento. Ao longo do tempo, a conservação dos documentos foi prejudicada por um conjunto de circunstâncias: não apenas o Terramoto de 1755, mas também as frequentes mudanças de local, incêndios, a transferência da Corte para o Brasil, o desvio de materiais aquando da União Ibérica, e das Invasões Francesas, etc. De qualquer forma, os documentos pertencentes ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo formam um acervo excepcional e indispensável para a memória histórica do país. Pela sua magnitude, esse acervo de há muito que encontrava dificuldades em instalar-se convenientemente. O Decreto de 18 de Março de 1911 reorganizou os serviços das bibliotecas e dos arquivos dependentes da Direcção-Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial, e denominou, definitivamente, o Arquivo da Torre do Tombo por Arquivo Nacional, o que acentuou a sua função de conservação e valorização dos manuscritos destinados ao estudo da História, bem como a função de promover a entrada de cópias de manuscritos portugueses, existentes no estrangeiro, e estabeleceu, pela primeira vez, um horário de abertura ao público. Em Dezembro de 1990, foi inaugurado, na Cidade Universitária, um novo edifício, para depósito e consulta dos documentos. Ocupando uma área de 54 900 m2, e contando com cerca de 100 km de prateleiras, este moderno edifício possui três áreas principais: uma para arquivo e investigação, uma para a realização de actividades culturais e a última para os serviços administrativos.

Pedro Dias

segunda-feira, 19 de março de 2018

São José, protector da Sagrada Família - Dia do Pai



Celebra-se hoje, 19 de Março, a Solenidade de São José. Neste dia, a Igreja, espalhada pelo mundo todo, recorda solenemente a santidade de vida do seu patrono.
Esposo da Virgem Maria, modelo de pai e esposo, protector da Sagrada Família, São José foi escolhido por Deus para ser o patrono de toda a Igreja de Cristo.
Seu nome, em hebraico, significa “Deus cumula de bens”.
No Evangelho de São Mateus vemos como foi dramático para esse grande homem de Deus acolher, misteriosa, dócil e obedientemente, a mais suprema das escolhas: ser pai adoptivo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Messias, o Salvador do mundo.
“Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor tinha mandado e acolheu sua esposa” (Mt 1,24).
O Verbo Divino quis viver em família. Hoje, deparamos com o testemunho de José, “Deus cumula de bens”; mas, para que este bem maior penetrasse na sua vida e história, ele precisou renunciar a si mesmo e, na fé, obedecer a Deus acolhendo a Virgem Maria.
Da mesma forma, hoje São José acolhe a Igreja, da qual é o patrono. E é grande intercessor de todos nós.
Que assim como ele, possamos ser dóceis à Palavra e à vontade do Senhor.
São José, rogai por nós!

domingo, 18 de março de 2018

Deus e o físico de um físico ateu

Da vida e a obra de Stephen Hawking destacam-se o seu ateísmo militante e as circunstâncias penosas em que decorreu quase toda a sua vida.

Morreu Stephen Hawking, um dos mais famosos físicos da actualidade. Sobre a sua obra científica, outros certamente ajuizarão, mas há dois aspectos da sua vida que merecem um breve comentário: o seu ateísmo militante e as penosas circunstâncias físicas em que decorreu toda a sua vida adulta.
É verdade que abundam os cientistas crentes e católicos, como o Padre Georges Lemaitre, autor da teoria do Big Bang. Mas também os há ateus, como o agora desaparecido Stephen Hawking que, como outros descrentes e fiéis de outras religiões, foi membro da Pontifícia Academia das Ciências. Quatro papas receberam-no e estimaram-no: o Beato Paulo VI, que lhe concedeu a medalha de ouro Pio XI; São João Paulo II; Bento XVI e Francisco.
O ateísmo de Hawking não prova uma inexistente incompatibilidade entre a fé católica e a ciência, porque essa sua opção ideológica não tinha fundamento científico, como ele próprio reconheceu ao chanceler da Pontifícia Academia das Ciências. Se, pela razão, não chegou a reconhecer a existência de Deus, também nunca provou cientificamente o contrário, pela simples razão de que Deus, em termos epistemológicos, é uma realidade transcendente e, por isso, metacientífica. A ciência estuda o que é experimental: o que ultrapassa essa ordem não pode ser objecto do seu conhecimento. Por isso, certas realidades, como Deus e a alma, não são susceptíveis de conhecimento científico.
Quer isto dizer que Deus e a alma não existem?! De modo nenhum, apenas que não são realidades cognoscíveis pelo método científico que, embora verdadeiro, não esgota o conhecimento da realidade: há mais saberes para além da ciência! A filosofia, que é também verdadeiro conhecimento, vai mais longe do que as ciências experimentais: é neste sentido que se diz que é ‘metafísica’, ou seja, um saber que está para além da física. Por sua vez, a teologia sobrenatural é uma sabedoria revelada, que transcende os conhecimentos meramente humanos e pressupõe, necessariamente, o dom da fé.
Há um preconceito racional, ou pressuposição pré-científica, comum a todos os cientistas, sejam crentes ou ateus: tudo tem uma razão de ser. Nenhum cientista admite que alguma coisa acontece por acaso, porque o acaso é a negação da razão e do conhecimento. O apelo à casualidade não é científico, mas expressão de ignorância: invoca-se o acaso quando se desconhece a causa. A causalidade exclui a casualidade: se se admite que algo pode acontecer sem razão suficiente, há que concluir que o mundo pode não ter sentido, o que é absurdo.
Se para tudo há, conhecida ou não, uma razão, como firmemente a ciência crê, é forçoso reconhecer que existe uma inteligência superior, uma razão suprema que governa o universo e determina as suas leis. Ou seja, Deus. A sua existência, embora não possa ser provada cientificamente, pode contudo ser demonstrada racionalmente. Assim o fez Tomás de Aquino: as suas cinco vias, que não obstante o tempo entretanto decorrido continuam irrefutáveis, provam racionalmente a existência de Deus.
Stephen Hawking não chegou a essa conclusão lógica, muito embora os seus modelos especulativos tendessem também para a afirmação de uma ordem universal e, portanto, apontassem para a necessidade de uma inteligência criadora, ou seja, de Deus. Mas é de crer que, agora, já ultrapassou esse impasse, como alguém escreveu, com apurado sentido de humor: “Depois de uma vida a tentar decifrar os grandes enigmas do universo, Stephen Hawking consulta agora a página de soluções”!
Para além de uma mente brilhante, Stephen Hawking era também um corpo doente, muito doente até: desde os 21 anos que sofria de esclerose lateral amiotrófica. Quando lhe foi diagnosticada esta doença, deram-lhe apenas três anos de vida mas, surpreendentemente, viveu até aos 76! Como são falíveis os diagnósticos médicos e como seria temerário deles fazer depender uma sentença de vida ou morte!
A sua doença foi inexoravelmente cruel: perdeu, progressivamente, todas as suas faculdades físicas, até a fala. Nos seus últimos cinco anos, só conseguia comunicar através de sofisticados meios técnicos, que supriam com eficácia essa sua incapacidade.
Não obstante as inúmeras limitações impostas pela sua precária condição física, Stephen Hawking foi protagonista de uma vida cheia de sentido, não só do ponto de vista intelectual, como físico brilhante que foi, mas também na perspectiva emocional: casou, teve filhos, etc. Tanto quanto é possível dizê-lo, Stephen Hawking foi uma pessoa feliz.
Para os defensores da eutanásia, Hawking era o exemplo perfeito da pessoa a eliminar: era escassa a sua esperança de vida, incurável o seu mal e aparentemente impossível a sua realização pessoal. A sua doença não só implicava uma crescente perda de autonomia, como também lhe proporcionava dores cada vez mais constantes e fortes, para além de uma progressiva dependência dos seus cuidadores, até para as tarefas mais simples. A dificuldade em se exprimir, sobretudo na fase final da sua doença, aconselharia também a antecipação da sua morte: para quê manter viva uma mente brilhante se já não pode comunicar?! O elevado custo económico da sua subsistência também obrigaria a concluir que era mais rentável – e, talvez, justo! – canalizar esses recursos para doentes mais novos, ou com maior esperança de vida. Ele próprio, em alguma ocasião, chegou a admitir a hipótese da eutanásia e do suicídio assistido mas, felizmente, mais pôde a sua insaciável vontade de saber, de sonhar e de viver!
Não obstante o que cada um possa pensar sobre o valor da vida humana, decerto ninguém nega que valeu a pena manter vivo aquele espírito brilhante, mesmo que encarcerado num corpo desfeito: a humanidade ficou a ganhar, não obstante tudo o que ele sofreu e tudo o que custou, em termos humanos e financeiros, manter a sua vida até ao fim. A sua luta pela sobrevivência, até ao momento da sua morte natural, é um hino à vida e a sua última e mais brilhante lição: vale sempre a pena viver!
Fonte: Observador

sábado, 17 de março de 2018

Das assembleias deliberativas

Um parlamento nunca pode exprimir o interesse nacional [bem comum], revela apenas a força dos partidos em que a influência eleitoral se divide. Derivando da eleição por sufrágio directo, ele é o resultado de uma burla, porque a massa eleitoral é e será sempre incompetente para realizar uma escolha conscienciosa, pronunciando-se sobre merecimentos que não pode avaliar, em indivíduos que não conhece ou só viu nas arengas da praça pública ou dos centros onde cada um vai apregoar qualidades boas que julga ter. É pela maioria de votos assim obtida que na Democracia se regula a confiança para a administração, como se um preconceito numérico pudesse corresponder à capacidade de governo. Para nada faltar à ficção eleitoral, os candidatos propostos pelos diversos círculos, até deixam de os representar para se dizerem deputados da Nação, mal acabam de se contar os votos. Pela tirania da maioria, o chefe político que conseguiu ganhá-la, maneja por detrás dela e fica irresponsável, bem como os seus cúmplices, em todos os desvarios de que são portadoras as leis votadas. É uma ditadura tortuosa, mais cara e menos nobre do que o mais abusivo poder pessoal. Na sua inconsciência e irresponsabilidade, cada um dos parlamentares se julga competente para versar e discutir todos os assuntos. Daí, o espectáculo permanente de miséria mental e moral dos parlamentos, o seu descrédito inevitável e morte próxima.

Adaptado de «Cartilha Monárquica», 1916.


Fonte: Veritatis

sexta-feira, 16 de março de 2018

Portugal e a Galiza sempre tão perto



"Devido a acidentes da História, Portugal separou-se da Galiza no começo da sua nacionalidade mas, até hoje, ambos os povos sentem essa ruptura. Nas palavras da Poetiza Galega Rosália de Castro: Vendo-os assim tão pertinho, / a Galiza mail’ o Minho, / são como dois namorados / que o rio traz separados / quasi desde o nascimento. Deixal-os, pois, namorar / já que os paes para casar / lhes não dão consentimento. Actualmente o pai, Portugal, já veria com bons olhos o casamento, mas tem vergonha de o assumir. A mãe continua totalmente contra, mas os filhos cada vez ligam menos… Hoje em dia costuma-se dizer que na Galiza falam o Português da Galiza. Os Galegos pretendem aderir à CPLP como região autónoma, que já são, e mudaram a ortografia oficial de muitas localidades. Essa região tem hoje uma economia próspera e uma vida cultura interessantíssima. A televisão galega, os grupos de música popular, livros, etc., têm contribuído muito para este enriquecimento cultural. No entanto, nota-se que muita gente fala o Galego com pronúncia castelhana porque só aprenderam a falá-lo na escola. Mas nas famílias rurais a pronúncia é igual à minhota."

O Senhor Dom Duarte Pio, Duque de Bragança

quinta-feira, 15 de março de 2018

Sucessão Com Primogenitura Igual Na Europa


O Rei Morreu! – Viv’ó Rei… ou Rainha!
Quando um Monarca morre, um novo Rei ou Rainha obriga-se, automaticamente, ao dever do trono e destino dos Reis: reinar sobre a morte de quem lhe deu vida! Essa sucessão pode ser com ou sem primogenitura igualitária!
Presentemente, quase todas as Monarquias europeias utilizam na linha de sucessão ao trono a primogenitura igual, que se traduz em que o filho mais velho do Monarca, independentemente do género, tem prioridade na linha de sucessão, ou seja a sucessão é de primogenitura absoluta.
De facto, hoje em dia, na maioria das Monarquias Constitucionais europeias a sucessão hereditária já não se encontra em concordância com as regras de primogenitura cognática de preferência masculina, ao abrigo das quais os filhos sucederiam antes das filhas e a criança mais velha sucedia antes das mais jovens do mesmo sexo, mas, correctamente, pela sucessão que ocorrerá através de primogenitura igualitária de um príncipe/princesa herdeiro(a), ou seja, o herdeiro presuntivo do trono é aquele que nasce primeiro no tempo, independentemente de o género ser masculino ou feminino.
As Monarquias não cristalizam no tempo, progridem!
No Reino Unido a partir da Reunião da Comunidade Britânica (Commonwealth), que ocorreu em 28 de Outubro de 2011, na Austrália, com a presença de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II, foram feitas mudanças à Lei de Sucessão, garantindo a igualdade de género na Linha de Sucessão ao Trono, sendo que as novas alterações serão unicamente aplicadas aos descendentes de Carlos, Príncipe de Gales. As modificações foram ratificadas por todos os Países da Commonwealth em 2015.
Na  Suécia, a linha de sucessão ao trono é determinada pela Lei de Sucessão Sueca. Entre 1810 e 1980, no Reino da Suécia vigorava a primogenitura agnática, ou seja, a Coroa seria herdada pelo primogénito do sexo masculino; mas, em 1980, o Reino da Suécia  aprovou a Primogenitura Igual, pelo que o filho mais velho do monarca, independentemente do género, tem prioridade na linha de sucessão.
No Reino da Bélgica, desde 1991 homens e mulheres têm os mesmos direitos de sucessão, começando a Primogenitura Igual a vigorar para os filhos do Rei Alberto II. Antes de 1991, na Bélgica vigorava a Lei Sálica, segundo a qual só podia suceder ao trono um príncipe do sexo masculino, excluindo completamente as herdeiras do sexo feminino. Felizmente, mudou e hoje existe completa igualdade entre género masculino e feminino.
A lei Sálica estipulava que nenhuma mulher poderia herdar propriedades imóveis e que todas as terras deveriam ser transmitidas aos membros masculinos da sua família. Mas mesmo quando ainda vigorava, esta norma raramente fora aplicada de forma absoluta. A Lei Sálica depois foi aplicada à sucessão hereditária do Coroa e assim designava as regras de sucessão do trono de França, que ulteriormente foram adoptadas pelas outras Monarquias.
A razão para esta primogenitura masculina pura estava relacionada com possíveis lutas pelo trono, para evitar uma mudança dinástica e assim salvaguardar a independência nacional.
De acordo com a Constituição dinamarquesa de 1953 os filhos do sexo masculino tinham preferência aos filhos do sexo feminino na sucessão ao trono, e depois, os mais velhos tinham preferência sobre os mais novos. Porém, o parlamento dinamarquês votou recentemente por unanimidade a favor de uma nova lei sobre o direito sucessório, que permitirá que o herdeiro ao trono seja o primogénito de qualquer de ambos os sexos, deixando de existir a preferência do sexo masculino, análogo ao que acontece na Noruega e Suécia.
Em Espanha apesar de ainda vigorar a primogenitura cognata de preferência masculina, esta primazia parece ter terminado, pois a Princesa Leonor é a Princesa das Astúrias – título que designa o Herdeiro presuntivo – e assim a primeira na linha de sucessão ao trono. De facto, a partir do momento em que o Seu Augusto Pai, Felipe VI, foi proclamado Rei, em Junho de 2014, Leonor de Todos Los Santos de Bórbon y Ortiz converteu-se na XXXVI Princesa das Astúrias é preparada e educada para na altura certa ascender ao Trono. Foi necessária uma alteração à Constituição espanhola para que Leonor, sendo mulher, pudesse ser a legítima herdeira. No entanto, há uma adenda: se nascer entretanto um rapaz, será ele o imediato sucessor da Princesa Leonor e não a infanta Sofia, que é a segunda filha dos reis de Espanha.
No Mónaco e no Liechtenstein ainda vigora a primogenitura cognata de preferência masculina: isto é, primeiro sucedem os filhos varões, os mais velhos e depois os mais novos; e segundo, vêm as filhas varoas, as mais velhas e depois as mais novas. Ou seja, as herdeiras mais velhas só sucedem ao Trono se a descendência masculina não existir, pois os filhos do sexo masculino têm preferência aos filhos do sexo feminino na sucessão ao trono.
Hoje, lamentavelmente, Portugal é uma república, mas quando era o Reino de Portugal a lei sucessória era regulamentada pela Carta Constitucional de 1826, em que os filhos do sexo masculino tinham preferência aos filhos do sexo feminino na sucessão ao trono.
De acordo com o hábito e costumes portugueses o poder do Rei sempre adveio de um pacto com as Cortes – que no fundo era um Congresso de Chefes – por isso o Rei de Portugal é Aclamado e não Coroado. Firmado esse pacto, o Rei seria assim o primus inter paresentre os barões do reino. No caso particular de Portugal, e sempre tal aconteceu desde o próprio Rei Fundador Dom Afonso Henriques, o Rei é Aclamado e nunca imposto! Ou seja, apesar do Príncipe herdeiro suceder ao Rei falecido existe uma participação dos Pares do Reino e do Povo que ratifica essa sucessão sendo que esse passo é o acto jurídico que verdadeiramente faz o Novo Rei! Assim, apesar de haver uma imposição formal da coroa nos primeiros Reis, o Rei de Portugal não era Coroado, pois não era a Coroa que o fazia Rei, mas a Aclamação. Aliás, depois de Dom João IV, não havia lugar à colocação da Coroa na cabeça do novo Rei, pois coube ao Restaurador a derradeira vez em que a Coroa dos Reis de Portugal foi cingida, uma vez que esse Monarca ofereceu a Coroa de Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, pela protecção concedida durante a Restauração, coroando-a Rainha de Portugal – nas coroações de outros monarcas que haveriam de se seguir, durante a Cerimónia de Aclamação a Coroa Real seria sempre acomodada numa almofada vermelho-púrpura (cor real) ao lado do novo Rei, como símbolo real, e não na cabeça do monarca. Desta forma, nos 771 anos da Monarquia Portuguesa o Rei sempre reinou por delegação da comunidade portuguesa que reunida em Cortes o Aclamou e fez Rei.
Na sessão da Assembleia convocada por Dom Afonso Henriques que, na lenda, ficaram conhecidas como Cortes de Lamego reuniu-se a nobreza, o clero, assim como procuradores dos concelhos de todo o Condado Portucalense.
Nessa sessão, os representantes terão eleito o jovem Infante e regulado a sucessão dinástica do Reino de Portugal.
ACTAS DAS CORTES DE LAMEGO
‘Em nome da santa, e indivisa Trindade Pai, Filho, e Espírito Santo, que é indivisa, e inseparável. Eu, Dom Afonso filho do Conde D. Henrique, e da Rainha Dona Teresa neto do grande D. Afonso, Imperador das Espanhas, que pouco há que pela divina piedade fui sublimado à dignidade Rei. Já que Deus nos concedeu alguma quietação, e com seu favor alcançamos vitória dos Mouros nossos, inimigos, e por esta causa estamos mais desalivados, porque não suceda depois faltar-nos o tempo, convocamos a Cortes, todos os que se seguem: o Arcebispo de Braga, o Bispo de Viseu, o Bispo do Porto, o Bispo de Coimbra, o Bispo de Lamego, e as pessoas de nossa Corte que se nomearão abaixo, e os procuradores da boa gente cada um por suas Cidades, convém a saber por Coimbra, Guimarães, Lamego, Viseu, Barcelos, Porto, Trancoso, Chaves, Castelo Real, Vouzela, Paredes Velhas, Seia, Covilhã, Monte Maior, Esgueira, Vila de Rei, e por parte do Senhor Rei Lourenço Viegas havendo também grande multidão de Monges, e de clérigos.
Juntámo-nos em Lamego na Igreja de Santa Maria de Almacave. E assentou-se o Rei no trono Real sem as insígnias Reais, e levantando-se Lourenço Viegas procurador do Rei disse:
“Fez-vos ajuntar aqui o Rei D. Afonso, o qual levantastes no Campo de Ourique, para que vejais as letras do Santo Padre, e digais se quereis que seja ele Rei.”
Disseram todos:
– “Nós queremos que seja ele Rei.”
E disse o procurador:
– “Se assim é vossa vontade, dai-lhe a insígnia Real.”
E disseram todos:
– “Demos em nome de Deus.”
E levantou-se o Arcebispo de Braga, e tomou das mãos do Abade de Lorvão uma grande coroa de ouro cheia de pedras preciosas que fora dos Reis Godos, e a tinham dada ao Mosteiro, e esta puseram na cabeça do Rei, e o senhor Rei com a espada nua em sua mão, com a qual entrou na batalha disse:
– “Bendito seja Deus que me ajudou, com esta espada vos livrei, e venci nossos inimigos, e vós me fizestes Rei e companheiro vosso, e pois me fizestes, façamos leis pelas quais se governe em paz nossa terra.”
Disseram todos:
– “Queremos Senhor Rei, e somos contentes de fazer leis, quais vos mais quiserdes, porque nós todos com nossos filhos e filhas, netos e netas estamos a vosso mandado.”
Chamou logo o Senhor Rei os Bispos, os nobres, e os procuradores, e disseram entre si, façamos primeiramente leis da herança e sucessão do Reino, e fizeram estas que se seguem.
Viva o Senhor Rei Dom Afonso, e possua o Reino. Se tiver filhos varões vivam e tenham o Reino, de modo que não seja necessário torná-los a fazer Reis de novo. Deste modo sucederão. Por morte do pai herdará o filho, depois o neto, então o filho do neto, e finalmente os filhos dos filhos, em todos os séculos para sempre.
Se o primeiro filho do Rei morrer em vida de seu pai, o segundo será Rei, e este se falecer o terceiro, e se o terceiro, o quarto, e os mais que se seguirem por este modo.
Se o Rei falecer sem filhos, em caso que tenha irmão, possuirá o Reino em sua vida, mas quando morrer não será Rei seu filho, sem primeiro o fazerem os Bispos, os procuradores, e os nobres da Corte do Rei. Se o fizerem Rei será Rei e se o não elegerem, não reinará.
Disse depois Lourenço Viegas Procurador do Rei, aos outros procuradores:
– “Diz o Rei, se quereis que entrem as filhas na herança do Reino, e se quereis fazer leis no que lhes toca?”
E depois que altercaram por muitas horas, vieram a concluir, e disseram:
– “Também as filhas do senhor Rei são de sua descendência, e assim queremos que sucedam no Reino, e que sobre isto se façam leis”, e os Bispos e nobres fizeram as leis nesta forma.
Se o Rei de Portugal não tiver filho varão, e tiver filha, ela será a Rainha tanto que o Rei morrer; porem será deste modo, não casará se não com Português nobre, e este tal se não chamará Rei, se não depois que tiver da Rainha filho varão. E quando for nas Cortes, ou autos públicos, o marido da Rainha irá da parte esquerda, e não porá em sua cabeça a Coroa do Reino.
Dure esta lei para sempre, que a primeira filha do Rei nunca case senão com português, para que o Reino não venha a estranhos, e se casar com Príncipe estrangeiro, não herde pelo mesmo caso; porque nunca queremos que nosso Reino saia fora das mãos dos Portugueses, que com seu valor nos fizeram Rei sem ajuda alheia, mostrando nisto sua fortaleza, e derramando seu sangue.
Estas são as leis da herança de nosso Reino, e leu-as Alberto Cancheler do senhor Rei a todos, e disseram, boas são, justas são, queremos que valham por nos, e por nossos descendentes, que depois vierem.
E disse o Procurador do senhor Rei.
– “Diz o senhor Rei. Quereis fazer leis da nobreza, e da justiça?”
E responderam todos:
– “Assim o queremos, façam-se em nome de Deus”, e fizeram estas.
Todos os descendentes de Sangue Real, e de seus filhos e netos sejam nobilíssimos. Os que não são descendentes de Mouros ou dos infiéis Judeus, sendo Portugueses que livrarem a pessoa do Rei ou o seu pendão, ou algum filho, ou genro na guerra sejam nobres. Se acontecer que algum cativo dos que tomarmos dos infiéis, morrer por não querer tornar a sua infidelidade, e perseverar na lei de Cristo, seus filhos sejam nobres. O que na guerra matar o Rei contrário, ou seu filho, e ganhar o seu pendão seja nobre. Todos aqueles que são de nossa Corte, e têm nobreza antiga, permaneçam sempre nela. Todos aqueles que se acharam na grande batalha do Campo de Ourique, sejam como nobres, e chamem-se meus vassalos assim eles como seus descendentes.
Os nobres se fugirem da batalha, se ferirem alguma mulher com espada, ou lança, se não libertarem ao Rei, ou a seu filho, ou a seu pendão com todas suas forças na batalha, se derem testemunho falso, se não falarem verdade aos Reis, se falarem mal da Rainha ou de suas filhas, se forem para os Mouros, se furtarem as coisas alheias, se blasfemarem de nosso Senhor Jesus Cristo, se quiserem matar o Rei, não sejam nobres, nem eles, nem seus filhos para sempre.
Estas são as leis da nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a todos. E responderam: “boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por nossos descendentes que vierem depois de nós.”
Todos os do Reino de Portugal obedeçam ao Rei e aos Alcaides dos lugares que aí estiverem em nome do Rei, e estes se regerão por estas leis de justiça. O homem se for compreendido em furto, pela primeira, e segunda vez o porão meio despido em lugar público, aonde seja visto de todos se tornar a furtar, ponham na testa do tal ladrão um sinal com ferro quente, e se nem assim se emendar, e tornar a ser compreendido em furto, morra, pelo caso, porem não o matarão sem mandado do Rei.
A mulher se cometer adultério a seu marido com outro homem, e seu próprio marido denunciar dela à justiça, sendo as testemunhas de crédito, seja queimada depois de o fazerem saber ao Rei e queime-se juntamente o varão adultero com ela. Porem, se o marido não quiser que a queimem, não se queime o cúmplice; mas fique livre; porque não é justiça que ela viva, e que o matem a ele.
Se alguém matar homem seja a quem quer que for, morra pelo caso. Se alguém forçar virgem nobre, morra, e toda sua fazenda fique a donzela injuriada. Se ela não for nobre, casem ambos, quer o homem seja nobre, quer não.
Quando alguém por força tomar a fazenda alheia, vá dar o dono querela dele à justiça, que fará com que lhe seja restituída sua fazenda.
O homem que tirar sangue a outrem com ferro amolado, ou sem ele, que der com pedra, ou algum pau, o Alcaide lhe fará restituir o dano e o fará pagar dez maravedis.
O que fizer injúria ao Agoazil, Alcaide, Portador do Rei, ou a Porteiro, se o ferir, ou lhe façam sinal com ferro quente, quando não 50 marevedis, e restitua o dano.
Estas são as leis de justiça e nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a todos, e disseram:
– “Boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por todos nossos descendentes que depois vierem.”
E disse o Procurador do Rei, Lourenço Viegas:
– “Quereis que o Rei nosso senhor vá às Cortes do Rei de Leão, ou lhe dê tributo, ou a alguma outra pessoa tirando o senhor Papa que confirmou no Reino?”
E todos se levantaram, e tendo as espadas nuas postas em pé disseram:
– “Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertarão, o senhor que tal consentir, morra, e se for Rei, não reine, mas perca o senhorio.”
E o senhor Rei se levantou outra vez com a coroa na cabeça, e espada nua na mão falou a todos:
– “Vós sabeis muito bem quantas batalhas tenho feitas por vossa liberdade, sois disto boas testemunhas, e o é também meu braço, e espada; se alguém tal coisa consentir, morra pelo mesmo caso, e se for filho meu, ou neto, não reine”: e disseram todos: “boa palavra, morra o Rei se for tal que consinta em domínio alheio, não reine”; e o Rei outra vez:
– “Assim se faça, etc.”
Terá sido então proferido o famoso Grito de Almacave, em latim:
Nos liberi sumus, Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt
O que, em português, significa:
Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram
Até ao início do século XIX as Cortes de Lamego foram sempre aceites por todos como um episódio incontestável da História de Portugal. Mas o historiador Alexandre Herculano dedicou-se a ler cuidadosamente os documentos concernentes a estas Cortes.  No seu estudo deparou-se com a inexistência das actas originais, e que a primeira menção a estas Cortes foram feitas numa cópia do século XVII, documento proveniente do scriptorium de Frei António Brandão, do Mosteiro de Alcobaça.  Mais ainda, Herculano constatou que, apesar da importância das leis sucessórias definidas naquelas Assembleia, estas nunca tinham sido incluídas nas Ordenações Afonsinas, nem nas subsequentes. Além do mais, a primeira sessão de Cortes em que figuraram os procuradores dos Concelhos foram as  Cortes de Leiria de 1254. Verificou, então, que nunca houvera referência às Cortes de Lamego até 1641, ano seguinte à Restauração da Independência e desta forma Alexandre Herculano concluiu que fora forjado um documento para justificar e basear em premissas sólidas o direito que Portugal tinha a ser independente de Espanha, pois nessa lei, as mulheres tinham direitos de sucessão, mas não poderiam casar com estrangeiros. Recorde-se que extinta a Dinastia de Avis com o desaparecimento d’El-Rei Dom Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, com o falecimento do Cardeal-Rei Dom Henrique e a debandada de Dom António, Prior do Crato, provocada pelos castelhanos, o trono de Portugal passou para Filipe II de Espanha, I de Portugal, e que originou a 3.ª Dinastia, a Filipina ou dos Habsburgos. Filipe I de Portugal era filho de Dona Isabel de Portugal, irmã do Cardeal-Rei e de Dom João III, e portanto neto do Rei Dom Manuel I de Portugal. Dona Catarina contraiu matrimónio com D. João I de Bragança e o seu primogénito D. Teodósio II, foi o 7.º Duque de Bragança e foi pai de Dom João II de Bragança que viria a ser o Rei Restaurador Dom João IV.
Entende-se pois, que de acordo com a Lei e o Direito Consuetudinário portugueses, Filipe III (IV de Espanha), sendo um Príncipe estrangeiro, não tinha direito ao trono português, tanto mais que havia, segundo estas leis do País um candidato natural e legítimo Dom João II de Bragança, o 8.º Duque de Bragança, neto de Dona Catarina, Duquesa de Bragança. Assim, já em 1580, extinta a Dinastia de Avis, com o falecimento do Cardeal-Rei Dom Henrique e a debandada de Dom António, Prior do Crato, provocada pelos castelhanos, e o trono de Portugal passou para Filipe II de Espanha (I de Portugal) e que originou a 3.ª Dinastia, em assentimento com a Lei que resultou das Cortes de Lamego e o Direito Consuetudinário portugueses havia um candidato natural e legítimo: Dona Catarina, Duquesa de Bragança, e tal como Filipe I, neta d’ El-Rei Dom Manuel I. Dona Catarina contraiu matrimónio com D. João I de Bragança e o seu primogénito D. Teodósio II, foi o 7.º Duque de Bragança, que por sua vez foi pai de Dom João II de Bragança que viria a ser o Rei Restaurador Dom João IV de Portugal.
Saliente-se que, por tradição e pela importância da Casa de Bragança, os Duques de Bragança têm os seus nomes numerados tal como os Reis, mesmo quando a família ainda não era a Família Real Portuguesa.
Recorde-se que a Sereníssima Casa de Bragança teve a sua fundação em Dom Afonso I, filho natural de Dom João I e de Inês Pires, uma mulher solteira. Tendo sido legitimado pelo Rei que lhe concedeu o título de Conde de Barcelos, Dom Afonso contraiu matrimónio com a filha de Dom Nuno Álvares Pereira, Dona Beatriz Pereira Alvim. Mais tarde, já na regência do seu meio-irmão Dom Pedro, foi por este concedido a Dom Afonso, o título de Duque de Bragança – que por ser uma Casa cujo 1.º duque era filho de Rei, os Duques têm numeração como os Reis. Assim a Revolta de 1640 não viria mais do que, pondo os pontos nos is, repor a legalidade, pois Dom João IV era neto de Dona Catarina de Bragança.
A Lei Sálica, em Portugal, foi contestada na aclamação como Rainha de D. Maria I com direito de governar o Reino em pleno, depois existiu ainda mais uma Rainha: a Senhora Dona Maria II. Como apontou o historiador francês Jacques Bainville:
‘A Monarquia é o mais maleável dos regimes, o mais pronto a se renovar, aquele que tem menos medo das ideias e o que menos se encerra na rotina.’
Miguel Villas-Boas